quinta-feira, 24 de junho de 2010

Coincidências

Não sei se todo mundo é assim, talvez seja. Só sei que sempre que leio alguma coisa interessante em algum livro tenho idéias pra escrever textos. Foi assim com a Divina Comédia do Dante, com Água Viva da Clarice e com a Insustentável Leveza do Ser do Milan Kundera. Assim como Tomas, personagem principal do último, eu acredito que grandes amores nascem de uma série de coincidências. Lendo sobre o amor do “macho rústico” por Tereza, eu tive a idéia de escrever isso, que começou como uma explicação, mas na verdade era pra ser uma carta de amor.

Talvez para muitos as coisas que eu vou dizer não seriam coincidências, mas sim coisinhas “méla- saco” quaisquer. Eu sempre fui uma pessoa muito odiosa, muito mesmo. Julgo se vou gostar de uma pessoa ou não simplesmente pelo que vejo no primeiro olhar. Sei que com isso deixei de conhecer muitas pessoas, mas sou assim e não sei como mudar. Talvez isso seja culpa da sociedade, assim como tudo de ruim que existe nas pessoas (aprendi a pensar assim com ela). Eu cresci sendo taxado de gordo, rolha de poço, bolota, chupeta de baleia, elefante e outros adjetivos nada agradáveis. Por isso, hoje eu chego num ambiente e já começo a olhar em volta: Aquele é um playboy que acha que o tamanho da roda do carro vai definir o tamanho do seu pinto, aquela é uma patricinha que escolhe o parceiro pelo tamanho do pinto – ou pelo tamanho da roda –, aquele é um excluído metido a popular que conversa com todo mundo, mas todos o acham um porre e por aí vai.

Primeiro dia de aula na faculdade. Sempre um dia muito tenso, marcante e, às vezes, definitivo. Logo na porta da faculdade taxei um. Vi o menino sendo trazido na porta da faculdade pela avó, e isso já era mais do que suficiente pra eu pensar que ele era um bostinha idiota e cheio de idéias fracas. Talvez eu estivesse errado, mas ao longo do curso minha idéia inicial se reforçou.

Foi, também, neste dia que eu vi ela pela primeira vez. Julguei logo o livro pela capa. “Metida a Cult, blasé, aposto que jamais vai me dar idéia”. Acho que por mais que eu a estivesse repulsando, estes foram os melhores adjetivos que já dei pra alguém num primeiro instante. O tempo foi passando e eu nem ousava olhar pra cara dela. Um dia, do nada, por falta de assunto em uma roda em que ela estava no meio eu disse na cara dela que não tinha ido com a cara dela nem fudeno. Pronto, dei a carta inicial. Talvez nenhuma mulher acredite nisso ele mesmo discorda quando o digo –, mas muitos homens hão de concordar: mulher se sente atraída por quem a rejeita.

Pouco tempo depois, tomando uma cerveja cruzei com ela dentro do boteco. Aí começaram a surgir as tais coincidências. Na época eu cismei de ser um pouco, digamos, metido a intelectual. Só ouvia sambinhas (como Chico Buarque) e só lia livros bem bacanas, modéstia a parte. Ela me viu tomando uma cerveja e perguntou como quem não quer nada: “Olha, vc bebe?”. Eu, como um bom cachaceiro, respondi que era lógico. Ela perguntou alguma coisa aí eu perguntei que tipo de música ela gostava e a resposta foi a 1ª coincidência: “Chico pra mim é um Deus”. Pronto, ela acabara de se mostrar 10% a mulher perfeita para mim.

Então perguntei de livros e ela disse que gostava de Clarice Lispector. Plim! Mais 20% minha mulher ideal. Depois disso pouco conversei com ela. Até que, um dia, fomos para um boteco depois da aula. Comecei a fumar um cigarro e ela “nossa, você também fuma? Me dá um trago aí”. Acabou. Já era 50% da minha mulher ideal, o suficiente pra eu passar uns 20 anos com ela sem jamais me cansar. Pedi logo uma cachaça – já comecei a pensar que o melhor era ficar bêbado logo pra ver se criava coragem pra tomar alguma atitude e não deixar a mulher meio perfeita me escapar.

Ela tomava cachaça, e como tomou. Nós dois no fim já estávamos completamente embriagados, ela de álcool e eu de paixão e, claro, da pinga também. O jeito que ela falava, os movimentos das mãos, a gargalhada, meu Deus, que gargalhada é essa que até hoje me satisfaz de felicidade (será ela divina ou coisa do capeta?). Tudo começou a ficar belo e, eu, mesmo bêbado não criava coragem para dar nem sequer uma cantadinha besta. Mas acabou saindo. O nosso amigo disse que ela estava com cheiro de mendigo, por causa da cachaça, e ela brincou pedindo um beijinho. Eu, só porque estava bêbado, soltei um “olha que eu dô hein”. Assim que o companheiro de golo, o último que restara, saiu para se esvaziar, ela aproveitou e fez aquilo que eu não vou me esquecer jamais. “Você acha que é melhor que todo mundo né?”, e aproximou o rostou. Eu, igual um coelho encurralado pelos cães dos caçadores, respondi “eu não”. Ela me beijou.

Claro que não foram apenas as três coincidências óbvias que eu relatei que tornou isso uma coisa magnífica. O mais belo é que em uma cidade com 2 milhões de habitantes, entre tantas possibilidades, eu fui encontrar ela. Eu tinha acabado de formar no ensino médio, ela já havia tentado outros 3 anos passar em outros cursos na faculdade federal. Eu fiz vestibular para quatro universidades. Passei nas três particulares, e só não passei na federal por que meu celular estava com a hora errada e eu perdi a prova aberta. Fui escolher justamente aquela que eu encontraria ela, e optei pela faculdade por casa das carteiras das salas. Quem escolhe uma universidade por causa da cadeira que vai sentar? Aposto que isso foi algum anjo diabólico que soprou no meu ouvido pra eu poder encontrar ela.

Além disso, no primeiro dia de aula, houve diversas pessoas que eu nem sequer notei, até porque sentaram fora do meu campo de visão crítica. Ela veio se assentar na mesa ao lado da minha, impossível que eu não a reparasse, criticasse e, por fim, me apaixonasse secretamente (secreto até pra mim mesmo, que negava por insegurança de achar que ela jamais me daria bola). Além disso, eu poderia ter faltado neste dia, assim como tanto eu quanto ela faltamos nos outros dois primeiros, mas nós dois fomos naquela data e ela se sentou ao meu lado e nem mesmo virou o rosto para dar um sorriso simpático.

Mas recomeçando a partir do beijo. Ela me beijou, eu a levei em casa e pronto, no outro dia eu viajaria, ela acordaria de ressaca e se arrependeria profundamente de ter agarrado o gordinho metido a revoltado da sala dela. Já eu, insegura até a medula, me apaixonei logo de cara. Enquanto viajava só pensava no quanto ela me pegou de surpresa quando me agarrou. Nó quanto aquilo tinha sido gostoso e no tanto que ela era exatamente o ideal de mulher – porra louca –que eu sonhei pra mim.

Depois disso precisei insistir muito pra ela se entregar pra mim, chorei algumas vezes, fiz ela chorar outras, ficamos separados por um tempo,mas, como sempre, acabamos ficando juntos novamente. Pra muitos parece pouco tudo o que eu falei, mas, pra mim, é mais do que o suficiente pra fazer dela a mulher que eu quero ter comigo até o dia em que o meu pulmão, que tanto já suspirou de amor, parar de se encher com o ar e com a fumaça dos tantos cigarros que nós fumaremos juntos.

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